Por dentro das cracolândias
Esta é uma postagem do correio Brasiliense datada de 28/11/2009
De lá para cá, esse quadro não se reverteu. Cada vez mais o Crack está presente gradativamente em todas as camadas sociais, e agora chegou para ficar de vez nas cidades dos interiores do Nordeste.
Em redutos do crack nos centros de
cidades brasileiras, dependentes se misturam à paisagem urbana. É assim
em São Paulo, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Montes Claros, Recife, Natal
e Porto Alegre. Isso é o que acontece nas grandes cidade, as capitais.
Pedestres entre usuários de crack na Avenida Duque de Caxias, coração de São Paulo: consumo da droga 24 horas por dia.
São Paulo — Fim de semana em São Paulo é sempre assim. Quem tem
oportunidade refugia-se no litoral. Quem não tem passeia pela cidade
vazia. O destino preferido é o centro histórico da capital. Ruas antigas
sem o trânsito infernal. Com as lojas fechadas, é possível caminhar
pela Estação da Luz, Pinacoteca e ver de perto São Jorge sobre o cavalo
talhado em bronze, suspenso a mais de 11 metros do chão, em plena Praça
Princesa Izabel. Mas ali existe um mundo à parte, onde adultos, jovens e
crianças vivem pelo crack. Pulverizada no centro e imediações, a
Cracolândia 24 horas por dia, sete dias por semana. Dia útil, feriado,
dia santo. Não faz diferença. Faça chuva, faça sol, o consumo descarado
da “pedra da morte” funciona na cidade mais rica do país há 20 anos.
Segunda-feira,
23 de novembro, 13h30. Calçada da Avenida Duque de Caixas, coração de
São Paulo. A vendedora Tereza Peixoto do Amaral, 34 anos, anda
apressada. Ela puxa pelo braço o filho Renan, 12, que saiu da escola ao
meio-dia e tem que ser “despejado” no trem do metrô imediatamente.
“Estou no horário de almoço. Tenho apenas uma hora para pegar o meu
filho na escola, comer com ele, deixá-lo na estação do metrô para ele
seguir para casa e eu voltar ao trabalho”, justifica em fração de
segundos, enquanto caminha apressada.
Entre o trabalho, numa
loja de confecção, e a escola do filho, Tereza passa todos os dias por
uma calçada na qual há dezenas de jovens sentados em batentes de lojas
que não abrem mais. Cada um deles tem um cachimbo de crack na mão e, na
hora em que o organismo exige um, o fogo do isqueiro acende a pedra que
abastece o vício. “Quem trabalha aqui já está acostumado com isso. Não
tem mais jeito. Os viciados já fazem parte da paisagem. Se eles forem
embora daqui, vai ter gente sentindo falta”, comenta Tereza a passos
rápidos.
Quem ouve a vendedora falando assim, desse jeito, fica
assustado com a franqueza. Assim como ela, as milhares de pessoas que
caminham pela Cracolândia passam rapidamente sem dar a mínima. “Os
viciados em crack não mexem com ninguém. Quando eles querem roubar, vão
para outros bairros. O único problema é que eles ficam desidratados de
tanto fumar essa porcaria e enchem o saco da gente pedindo água. Com
pena, as pessoas acabam dando”, conta a balconista Carmem Tornioli, 42
anos. Ela trabalha numa farmácia localizada a 20 passos de um ponto em
que se concentram 14 viciados.
No grupo que implora por água na
farmácia da esquina, está Anderson da Silva, 21 anos. Ele tem um rosto
com traços finos, olhos claros e cabelos repicados por uma lâmina de
barbear. É impossível ver qualquer traço de beleza. O que chama a
atenção no rapaz são os dentes apodrecidos e a falta acentuada de tecido
adiposo no corpo. Não precisa ser médico para atestar que ele tem
pouquíssima ou quase nenhuma gordura no organismo. Seus ossos estão logo
sob a pele e, de tão magrelo, o esqueleto é arriado por falta de
sustentação muscular. A pedido do Correio, Anderson foi até a farmácia
em que trabalha dona Carmem e ela deixou ele se pesar. Quando o digital
da balança apontou míseros 41kg para o 1m82 de Anderson, Carmem
disparou. “Ta vendo só. Tô falando. Eles não comem nada. O crack inibe o
apetite. Uma ONG dava almoço e jantar para essas pestes. Eles davam
duas garfadas e jogavam fora”, conta a balconista.
Anderson fuma
crack desde os 12 anos. Já foi preso por tráfico e agora está cumprindo
o resto da pena em liberdade. Com medo de voltar para o inferno da
cadeia, diz que anda “pianinho”. Ele e o bando de jovens viciados
garantem que deixaram de roubar para comprar crack há muito tempo. Para
permanecer livre na Cracolândia (1)e consumindo a droga em paz, o jovem
conta preferir mendigar e limpar vidros dos carros que param no sinal
vermelho. “Em duas horas de esmola e mais uma hora no cruzamento da rua,
consigo R$ 30. Dá para comprar seis pinos (pedras) e ainda sobra
troco.”
Na segunda-feira, fazia 20 dias que Anderson não tomava
banho. Ele come uma única vez ao dia e o último exame médico que fez foi
há 4 anos, quando ainda estava encarcerado. Por volta das 15h, ele deu
duas mordidas em uma cocha de frango e três colheradas de arroz de uma
marmita que encontrou na lata de lixo de um restaurante no Centro de São
Paulo. Foi a primeira e única refeição do dia. Enquanto conversava
sobre a vida, ele dava umas “pipadas” no cachimbo de crack. “Parei de
estudar na quinta série. Eu sabia ler, mas desaprendi. Uma assistente
social que passou por aqui disse que a droga me fez esquecer tudo. Aí
todo mundo pergunta: quer sair dessa vida? Lógico que quero”, afirma.
Com um riso irônico, completa na sequência: “Se fosse fácil, eu já tinha
saído daqui e largado a droga. Ou você acha que sou burro de querer
essa vida?”. Anderson não vê familiares desde os 12 anos de idade.
Abrigo do vício
Cracolândia
não é um bairro de São Paulo. É a denominação popular que algumas ruas
do centro da capital receberam por abrigar consumidores e vendedores de
crack. A zona engloba principalmente as avenidas Duque de Caxias,
Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero e a Rua Mauá, onde historicamente se
desenvolveu intenso tráfico de drogas.
Cachimbadas livres da ação policial
Anderson, 21 anos, 41kg, 1,82m: "Se fosse fácil, eu já tinha
saído daqui e largado a droga. Ou você acha que sou burro de querer essa
vida?"
Duas cenas sintetizam perfeitamente o quanto os usuários de crack já
fazem parte da paisagem do Centro de São Paulo e reforçam a tese de que
tirá-los da boca do lixo é missão impossível para o Poder Público. Na
quinta-feira passada, um grupo de seis policiais militares montados em
cavalos passou pela Avenida Duque de Caxias no momento em que o Correio
conversava com os usuários de drogas. Temendo uma reação mais forte, a
equipe de reportagem se afastou. Os jovens guardaram rapidamente os
cachimbos com crack em bolsos e mochilas e continuaram sentados. Os
policiais se aproximaram, jogaram os cavalos sobre eles e houve uma
correria. Em seguida, a cavalaria dobrou a esquina e o grupo de viciados
se recompôs no mesmo local. Hedan Paglioni, 18, acendeu um cachimbo tão
logo os policiais sumiram do seu raio de visão. Deu duas tragadas.
“Eles não fazem nada com a gente. Só jogaram o cavalo em nós porque
viram que tinha imprensa aqui”, ressalta.
A outra cena envolve o
programa desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo do
estado chamado Centro Legal. Uma equipe de enfermeiros e assistentes
sociais caminha pelas ruas da Cracolândia diariamente abordando os
usuários de droga. Eles tentam convencê-los a trocar a rua por
atendimento médico e internação em uma clínica de reabilitação. Nos três
dias em que o Correio esteve na Cracolândia, equipes do programa
passaram pelo local. Mas não fizeram qualquer abordagem, apesar de haver
dezenas de usuários. “Não podemos abordar as pessoas se elas estiverem
consumindo ou sob o efeito de drogas”, justificou uma enfermeira que não
quis se identificar.
Por causa das limitações na atuação das
enfermeiras e principalmente por conta da força que o crack tem sobre o
usuário, o plano de acabar com a Cracolândia vem fracassando em São
Paulo. Das 29 mil abordagens feitas nos últimos quatro meses, 93% foram
em vão porque o usuário recusou o tratamento. Até agora, 1,7 mil
concordaram fazer uma consulta médica, mas apenas 70 aceitaram a
internação e só 30 deram continuidade. “Quem fuma crack tem dificuldade
de parar”, justifica a coordenadora regional de Saúde da Prefeitura de
São Paulo, Márcia Gadargi.
Na Cracolândia, é fácil conhecer um
usuário de droga, mesmo que ele esteja em situação acima de qualquer
suspeita, como engraxando um sapato. Os dedos da mão direita deles têm
uma lesão peculiar parecida com um misto de calo e queimadura. Essa
combinação atrofia as unhas e escurece a pele. A deformidade ocorre
porque, para cada tragada da droga, acende-se o isqueiro constantemente.
O esforço que o dedo polegar faz na engrenagem do isqueiro para soltar a
chama caleja e o fogo deixa feridas. “A gente se acostuma. Não dói
nada. Quer dizer, se dói, eu nem sinto, porque estou 'noiado' o tempo
todo”, revela Conrado Megumi, 23 anos, 10 deles dominado pela droga.
Quem usa droga tipo o crack, vive praticamente em estado vegetativo, tudo gira em torno do consumo de uma pedra e outra. Especialistas dizerm ser a droga do amor, beijou, se apaixonou. Não tem geito, tem que ter muita força de vontade mesmo em querer sair da dependência paraparar de vez. E isso é quase que impossível para um viciado.
Hoje foge do controle das autoridades e do poder público a venda e consumo deste tipo de droga, nossos governantes tem muito a fazer para coibir venda e consumo do crack que agora além de estar presente em todas as camadas da sociedade, chegou às cidades do interior do nordeste.