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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

SAÚDE MENTAL

Grande Recife // Saúde
Contagem regressiva para esvaziamento do maior manicômio de Pernambuco

Ex-paciente do Hospital Alberto Maia recém chegado à confortável "Casa de Passagem"





Crédito: Davi Lira
Especial para o JC Online

Eles sempre foram submetidos à cultura da institucionalização. Perderam gradativamente a noção de pertencimento, de autonomia. Poucos eram os objetos pessoais, praticamente nenhuma a liberdade de escolha. A mesma roupa, a mesma comida, pratos iguais, mesmo dia de aniversário, e comemorações natalinas ao acaso, distante de tudo que representa o 25 de dezembro. Sem falar da qualidade no tratamento, na tortura sonora e na falta de bons profissionais de saúde para a escuta. Como Estamira do documentário, preferiam dopá-los a ouví-los.
Hoje, a batalha de 97 ex-pacientes (com média de idade ultrapassando os 40 anos), recém retirados do Hospital manicomial Alberto Maia (HAM), em Camaragibe, após mais de 25 anos de internação, é outra. E o local desse embate é um ambiente aberto, amplo, sem muros e sem restrições de liberdades. Um oásis, ainda pouco percebido pelos seus ilustres moradores, que aportaram há praticamente duas semanas.
Assim, pautado pelo resgate do desejo e da referencialidade do pessoal, o Centro de Saúde Mental de Camaragibe, localizado no Km 14 de Aldeia, no Acampamento Maré Mansa, implantado desde fevereiro de 2010 para acelerar a redução dos leitos do hospital psiquiátrico, representa literalmente um ar fresco na combativa luta que vem sendo promovida pela política antimanicomial, encampada por instituições governamentais e entidades da sociedade civil pernambucana, que tem como uma de suas líderes a coordenadora estadual de saúde mental do Estado, Marcela Lucena.

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"Desde 2004, o Ministério da Saúde (MS) descredenciou o HAM, que tem 45 anos de fundação, e um péssimo histórico. O descumprimento de direitos humanos era recorrente por esse hospital privado, mesmo recebendo verbas mensais que atualmente ficavam em torno de R$ 29 por dia, para cada internado. Agora esperamos que em até um mês os 260 pacientes restantes saiam de vez daquele lugar", diz outra coordenadora de saúde mental, agora de Camaragibe, Norma Cassimiro, envolvida com a questão há mais de 11 anos.
O HAM que já contou com mais de 1.200 leitos, e um índice de inxeplicáveis 5 mortes ao mês, vem sendo gradativamente esvaziado. "Depois da municipalização em 1999 e através da organização da estrutura de saúde local, a partir de 2002, saímos de um número de 570 pacientes para esse quantitativo atual de 260", afirma Norma.
A política de desistituicionalização do tratamento psiquiátrico imposta não apenas em Pernambuco, mas também em manicômios da Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Minas Gerais, vêm pressionando desde de 2004 autoridades locais para o esvaziamento e não recepção de novos pacientes.

"Esperamos até o fim de junho do ano que vem, antes mesmo do inverno, encaminhar todos os usuários e pacientes para as quatro residências terapêuticas que possuímos, para outros Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do Estado e para a casa dos próprios familiares", setencia a Secretária de Saúde de Camaragibe, Ricarda Samara. Segundo ela, nada melhor que esse Centro de Desistitucionalização em Aldeia, para fazer essa ponte entre o manicômio e a vida em sociedade, mais perto da comunidade. "Basta ir visitar e ver o que vemos, agora eles têm dignidade, e finalmente podem ser considerados verdadeiros cidadãos brasileiros", finaliza Ricarda.
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Depois dessa etapa inicial de desapego com o aparato asilar do manicômico, cerca de 255 pessoas já foram transferidas para casas de familiares e residencias terapêticas (RT), compostas por oito moradores em cidades do interior do Estado, como Ibimirim e Águas Belas, e em bairros populosos da Região Metropolitana do Recife. Pelo "Programa de Volta para Casa", do Governo Federal, cada um recebe um benefício de R$ 320, mais um salário mínimo. Nas RT's, o MS banca a implantação em R$ 10 mil da unidade e repassa o valor de R$ 900 por mês/paciente para o município arcar com as depesas de custeio e cuidado médico.

Veja, abaixo, o relato de moradores do Centro de desinstitucionalização em Camarabige:

Segundo a especialista em psiquiatria, Gilvanice Noblat, que já acumula mais de 32 anos na área, devem existir sim locais de tratamento alternativo para os psicóticos. "A internação só se justifica quando há risco de vida do outro", diz. Ainda segundo ela, a doença mental não deve ser vista tampouco com romantismo. "Há erros de interpretação do que seja loucura e do que são transtornos. O fato é que o pior da psicose é a perda da credibilidade. O foco agora é a melhoria da qualidade de vida e a inserção social, nunca foi a busca pela cura", diz Gilvanice.
Mas a luta pela extinção de leitos psiquiátricos é árdua. "A internação foi um modelo que nasceu falido. Sempre deu dinheiro o enclausuramento da loucura. Somado a isso, a Justiça muitas vezes não sabe o que faz, e manda o indivíduo para o hospital psiquiátrico", afirma a psicóloga e sanitarista pernambucana Nelma Melo, liderança local do Movimento da Luta Antimanicomial.
O fato é que nos próximos dias estará chegando outras 70 pessoas no "Centro de Passagem" de Camaragibe. O espaço, mesmo distante da rodovia central da Estrada de Aldeia (o trajeto para a chegada tarda mais outros 15 minutos), ainda é visto por alguns familiares com ressalva, mesmo sendo considerado por tantos outros como modelo de referência a ser seguido.

"As famílias, também, estão acostumadas a ver seus entes em um ambiente fechado, sob vigilância total, e até reclamam desse acampamento que temos, aberto. Mas elas devem entender que agora eles estão encontrando com a vida, finalmente saindo do esquecimento, essa é a primeira etapa, a de adaptação", diz Norma Cassimiro. Pena que os pacientes ainda não se deram conta que tem um lindo céu acima de seus pensamentos e uma vasta grama verde ao redor. A cama ainda é recorrente e a televisão parece ser uma importante interlocutora. Quem o diga Marcelo Fernandes, 51 anos, que fica a espera da reprise de "E o vento levou" na Tela Quente da Globo.
HISTÓRICO - A ideia de loucura como doença mental vai se consolidar entre os séculos XVIII e XIX. De acordo com a especialista carioca Maria Paula Cerqueira, em um de sesu artigos antes ela era interpretada de várias outras formas, inclusive religiosa. "De papel comum, e pela multiplicidade de formas de interpretação, para se entender a loucura, foi preciso reconhecê-la como doença, e a aprtir de então construir saberes", afirma. A construção do aparato asilar vem logo em seguida. "Separam assim os loucos da socidade, ténicas de apaziguamento de emoções são implantadas. É o tratamento moral. Lima Barreto passou por isso e e escreveu até uma peça, ´O cemitério dos vivos´".

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