Para muitos, o 8 de Março é apenas um dia
para dar flores e fazer homenagens às mulheres. Mas diferentemente de diversas
outras datas comemorativas, esta não foi criada pelo comércio.
Na Rússia, em 1917, milhares de mulheres foram às ruas contra a fome e a guerra; a greve delas foi o pontapé inicial para a revolução russa e também deu origem ao Dia Internacional da Mulher
Oficializado pela Organização das Nações
Unidas em 1975, o chamado Dia Internacional da Mulher era celebrado muito tempo
antes, desde o início do século 20. E se hoje a data é lembrada como um pedido
de igualdade de gênero e com protestos ao redor do mundo, no passado nasceu
principalmente de uma raiz trabalhista.
Foram as mulheres das fábricas nos
Estados Unidos e em alguns países da Europa que começaram uma campanha dentro
do movimento socialista para reivindicar seus direitos - as condições de
trabalho delas eram ainda piores do que as dos homens à época.
A origem da data escolhida para celebrar
as mulheres tem algumas explicações históricas. No Brasil, é muito comum
relacioná-la ao incêndio ocorrido em 25 de março de 1911 na Companhia de Blusas
Triangle, quando 146 trabalhadores morreram, sendo 125 mulheres e 21 homens (a
maioria judeus).
No entanto, há registros anteriores a
essa data que trazem referências à reivindicação de mulheres para que houvesse
um momento dedicado às suas causas dentro do movimento de trabalhadores.
As origens
Se fosse possível fazer uma linha do
tempo dos primeiros "dias das mulheres" que surgiram no mundo, ela começaria
possivelmente com a grande passeata das mulheres em 26 de fevereiro de 1909, em
Nova York.
Em 1913, as mulheres já protestavam pelo
direito de votar nos Estados Unidos; nessa época, eram frequentes os protestos
também por melhores condições de trabalho.
Naquele dia, cerca de 15 mil mulheres
marcharam nas ruas da cidade por melhores condições de trabalho - na época, as
jornadas para elas poderiam chegar a 16h por dia, seis dias por semana e, não
raro, incluíam também os domingos. Ali teria sido celebrado pela primeira vez o
"Dia Nacional da Mulher".
Enquanto isso, na Europa também crescia o
movimento nas fábricas. Em agosto de 1910, a alemã Clara Zetkin propôs em
reunião da Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas a criação
de uma jornada de manifestações.
"Não era uma questão de data
específica. Ela fez declarações na Internacional Socialista com uma proposta
para que houvesse um momento do movimento sindical e socialista dedicado à
questão das mulheres", explicou à BBC Brasil a socióloga Eva Blay, uma das
pioneiras nos estudos sobre os direitos das mulheres no país.
"A situação da mulher era muito
diferente e pior do que a dos homens nas questões trabalhistas daquela
época", disse ela, que é coordenadora da USP Mulheres.
A proposta de Zetkin, segundo os
registros que se têm hoje, propunha uma jornada anual de manifestações das
mulheres pela igualdade de direitos, sem exatamente determinar uma data.
O
primeiro dia oficial da mulher seria celebrado, então, em 19 de março de 1911.
Cartaz em Londres dizendo 'O futuro é feminino': mulheres de todo o mundo fazem marchas e protestos por direitos iguais na semana do 8 de Março.
Em 1917, houve um marco ainda mais forte
daquele que viria a ser o 8 de Março. Naquele dia, um grupo de operárias saiu
às ruas para se manifestar contra a fome e a Primeira Guerra Mundial, movimento
que seria o pontapé inicial da Revolução Russa.
O protesto aconteceu em 23 de fevereiro
pelo antigo calendário russo - 8 de março no calendário gregoriano, que os
soviéticos adotariam em 1918 e é utilizado pela maioria dos países do mundo
hoje.
Após a revolução bolchevique, a data foi
oficializada entre os soviéticos como celebração da "mulher heroica e
trabalhadora".
Oficialização
O chamado "Dia Internacional da
Mulher" só foi oficializado em 1975, ano que a ONU intitulou de "Ano
Internacional da Mulher" para lembrar suas conquistas políticas e sociais.
"Esse dia tem uma importância
histórica porque levantou um problema que não foi resolvido até hoje. A
desigualdade de gênero permanece até hoje. As condições de trabalho ainda são
piores para as mulheres", pontuou Eva Blay.
"Já faz mais de cem anos que isso
foi levantado e é bom a gente continuar reclamando, porque os problemas
persistem. Historicamente, isso é fundamental."
No mundo inteiro, a data ainda é
comemorada, mas ao longo do tempo ganhou um aspecto "comercial" em
muitos lugares.
O dia 8 de março é considerado feriado
nacional em vários países, como a própria Rússia, onde as vendas nas
floriculturas se multiplicam nos dias que antecedem a data, já que homens
costumam presentear as mulheres com flores na ocasião.
Em muitos países, a tradição do 8 de Março é de que as mulheres ganhem flores.
Na China, as mulheres chegam a ter metade
do dia de folga no 8 de Março, conforme é recomentado pelo governo - mas nem
todas as empresas seguem essa prática.
Já nos Estados Unidos, o mês de março é
um mês histórico de marchas das mulheres.
No Brasil, a data também é
"comemorada" com protestos em todas as principais cidades do país,
com reivindicações sobre igualdade salarial e protestos contra o aborto e a
violência contra a mulher.
"Certamente o 8 de Março é um dia de
luta, dia para lembrarmos que ainda há muitos problemas a serem resolvidos,
como os da violência contra a mulher, do feminicídio, do aborto, e da própria
diferença salarial", observou Blay.
Protestos são grandes em cidades como Washington
Segundo ela, mesmo passadas décadas de
protestos das mulheres e de celebração do 8 de Março, a evolução ainda foi
muito pequena.
"Acho que o que evoluiu é que hoje a
gente consegue falar sobre os problemas. Antes, se escondia isso. Tudo ficava
entre quatro paredes. Antes, esses problemas eram mais aceitos, hoje não."
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